Política
O Reino de Ilusão
Em algum canto esquecido do mapa, onde o sol teimava em nascer tarde e os sonhos da população se dissolviam ao amanhecer, havia uma cidade fictícia — vamos chamá-la de Villa Promessa. Seu soberano, eleito por promessas tão doces quanto nuvens de algodão, acreditava ter sido coroado rei. E como todo bom monarca das histórias mal contadas, cercou-se não de conselheiros sábios, mas de bajuladores profissionais e familiares fiéis ao trono — e ao contracheque.
Conhecia bem a cidade, diziam. Caminhara pelas suas ruas, apertara mãos nos mercados, posara sorridente com as crianças das escolas. Pregou, aos quatro ventos, que sua eleição seria o início de uma nova era. Mas assim que o tapete vermelho do poder se estendeu sob seus pés, o povo virou plebe. Os gritos por saúde, educação e dignidade tornaram-se ruído incômodo nas janelas blindadas do palácio. O soberano, ocupado em aplaudir a si mesmo, deixou de ouvir.
Formou-se, então, a trem da alegria: secretarias viraram feudos pessoais, e os cargos, moedas de troca para manter os aplausos ensaiados. Os poucos capacitados, aqueles com ideias e coragem para implementá-las, foram empurrados às sombras, reduzidos a figurantes de uma peça em que o script já estava escrito — e o final, bem próximo.
Com o Legislativo, o diálogo era raso como poça d’água em verão seco. O prefeito-rei não via necessidade de articular, tampouco dividir. Afinal, em seu espelho dourado, refletia um líder absoluto, infalível e incompreendido. A cidade? Que esperasse. O povo? Que comentasse nas redes. Os problemas? Que fossem filtrados pela lente otimista das mídias oficiais.
Mas as redes sociais, ainda que bem alimentadas, não anestesiam a fome. Nem escondem o esgoto a céu aberto, a escola sem professor, o posto sem remédio. As comunidades mais vulneráveis — aquelas que, um dia, acreditaram na promessa — agora sentem na pele o abandono que os filtros não disfarçam.
E como toda roda-gigante que se preze, o giro já começou. O topo, ainda reluzente, é passageiro. A soberba que antes sustentava o reino encantado começa a rachar os alicerces do castelo. Restarão, ao fim, os de sempre: os sanguessugas de plantão e o bobo da corte, rindo de piadas sem graça, tentando animar um palácio que ecoa o som do vazio.
Quando as luzes da festa se apagarem e o palco for desmontado, sobrará o cenário cru da realidade: um município cansado, com feridas abertas e uma população que já não se encanta com coroas de papelão.
E o rei? Talvez siga iludido em seu espelho. Mas o tempo, ah, o tempo sempre conta a verdade.
Verones Carvalho
Escritor e Cientista Político
